quarta-feira, 9 de abril de 2014

Carta Anônima

Eu nāo tive culpa e nem ela. Aconteceu, gostaste de me imaginar em ti. Nāo há o que se fazer. Você me veio com um bilhete, um sorriso que sem querer desbaratou a morte. Com um zelo descuidado para mudar a órbita do coraçāo: bilhete asteróide. Palavras insuportavelmente poucas e simples escritas num papel de sorteio que você deixou e foi embora em seu cometa. Li o vazio do texto e levantei as orelhas, pegou na jugular do meu sono e me acordou pro seu lado. E as listras do seu vestido branco e preto deixaram rastros que pintaram a minha cara de todas as cores.

“…tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!”



Ergui-me de um salto.
Iminentes amantes efêmeros, era muito vulnerável ao seu perfume que sequer senti.
Passei a correr pelos bares dessa cidade a procurar sem qualquer pista por você e seu cometa para reclamar o bilhete, a delicadeza, o apreço, a atençāo no que você nāo disse:
- Olha, eu nāo posso fazer nada. Tenho um compromisso, você deveria pedir desculpas. Nāo falei logo porque rasguei o papel com seu telefone na hora, nāo posso fazer nada…
E te busquei dentro de tantas garrafas querendo uma satisfaçāo... Brindes sem sentido com pessoas estranhas e juro que nāo deixei uma gota sobrar no copo só para ter certeza. Como nāo deixaria uma gota entre suas pernas quando a encontrasse. Ah…
Eu teria todas as insônias se nāo te contasse…
…Que se eu pudesse arderia no sentimento de ler aquele branco no papel todas as noites.



Matheus Marins (+ trecho de Eçá de Queiroz em O Primo Basílio)

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