segunda-feira, 11 de abril de 2011

- O desconhecido aproximou-se de mim no saguão do aeroporto e disse: "Pode deixar que carrego sua mala. Também vou viajar." Seis meses depois ele era o meu marido...
As coisas, as pessoas que encontramos pelos bares nas manhãs de segunda são sempre surpresas. Peguei o hábito com uma ex-companheira: toda segunda às 7 me engravato, desço à rua e paro no primeiro bar de esquina que vejo no caminho escolhido. Pego uma mesa que dê para olhar os que ainda não foram embora e também os que passam olhando meio torto pra gente. Só aí peço minha saudosa, revigorante, a minha necessitada dose de toddynho. Então continuo ouvindo.
- ...e tinha de ser assim mesmo. Não se submete o amor à mediocridade do que se julga apropriado ou não.
Era uma mulher de olhos cansados que afirmava, tarimbada pelo tempo, coisas que seus colegas de mesa só compreenderiam em completude tendo o mesmo tempo pelo qual ela havia passado - se compreendessem. Estavam lá apenas tentando preencher um vazio, experimentando o máximo de coisas que lhes fosse possível.
Enquanto suponho a vida alheia no olhar, termino quase despercebido o meu toddynho. Importa que não sei precisar exatamente quando, mas os olhos cansados da mulher bateram de frente com os meus. Medusa. Minha leitura matinal se desvirtuou. Tornei-me órfão do falso brilho. Ela virava a cara e sumiam os olhos. Aí veio a falta dos dois globos oblíquos, esportivos, que amaciam antes de petrificar.
Mudei para a mesa dos olhos sem pedir - não conseguiria falar. As crianças, não vi mais. Ficava horrorizado com eles - os olhos - como se uma faca me invadisse o peito, como se desse um salto ao precipício, completamente nu. E queria mas não queria a faca rasgando mais fundo, o salto mais longo. Viciado na dor dos olhos dela, fiz de tudo para não perdê-los de vista. Bebidas fortes e outras drogas ela oferecia meio mandona e eu aceitava querendo agradar.
Segunda, nove da manhã - quando deveria estar chegando no escritório, disse pela primeira vez vamos lá no meu apartamento ouvir um som. Ela não parava de falar, eu só compreendia o que queriam me dizer os olhos. De alguma forma, descobri ser uma conversa muito mais rica e sincera a que estes costumam ter.
Na vitrola pus um disco do Chico e o teu olhar era de adeus. Estranhei, servi uma taça de vinho e fui rapidamente ao quarto arrmar a cama com o que tinha de melhor lá em casa. Quando voltei para a sala ela havia se atirado da janela.

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