sábado, 30 de abril de 2011

Centésimo cafézinho

- Bom dia.
- Mais ou menos.
- Quê?
- Mais ou menos.
- Como assim, mais ou menos?
- O dia, está mais ou menos.
- Mas foi um desejo, não um comentário.
- A.
- Não se cansa de ser esquisito, né?
- Também te desejo um bom dia.

Matheus, 04/2011

terça-feira, 26 de abril de 2011

contundentes delicadezas 1

Amaram um amor tão bandido que até suas horas de vida haviam sido furtadas. Arrancadas do sonho de um poeta, estas horas eram assim infindas e belas de causar estranheza aos corações petrificados da selva de pedra que tiveram de desabitar: as autoridades locais declararam como proibido amar fundo demais: atrapalhava no trabalho e em outras bobagens, de forma que precisaram ir morrer em outro lugar, longe daquele povo que já era morto sem saber.

Matheus, 26/04/11

quinta-feira, 21 de abril de 2011

away, away

Fora para o feriadão.
Até mais, pessoal!

terça-feira, 19 de abril de 2011

Do outro lado do tempo

Um homem e uma mulher que se sorriem e se abraçam sentados num banco olham direto para mim. São simpáticos e definitivamente têm um momento feliz. Atrás deles, há uma criança agachada pegando na terra algo que não sei. Patos e pombos por perto. É um bonito parque no meio da cidade e de uma primavera qualquer.
Olhando essa fotografia parece que tudo foi belo entre nós o tempo todo. Porém não sei precisar a partir de quando, não sei onde a primavera desandou e assim, insensata, à queima roupa, tu me foste um desacato. Se eu soubesse no início - antes de tudo, quando ainda bem jovens - como você me doeria, me dói e ainda doerá em noites como esta, engasgadas de sonhos cortados, perdidos, de feridas clichês jorradas sob o luar. Se apenas suspeitasse, no início, do desacato que tu me serias, mesmo assim teria feito tudo o que fizemos. E sigo fazendo, em solo, agora meio sôfrego para me livrar de correntes de angústia feito um cão que se sufoca na coleira tentando fugir. Tento um tanto, incansável por vezes ou outras, depois me falta o fôlego e me rendo à falta. Falta de alguma droga sua.
E sigo assim: um junkie desesperado sem ter sua dose semanal de heroína. No meu caso, vilã (=P).
A criança na foto, nosso filho Caio, é quem entra no quarto escuro às pressas e ainda com a roupa do trabalho. Me levanta do chão para a cama e serve meus sossegos na forma de comprimidos. Me olha delicado mas precisa sair. Como cresceu rápido.
Aquelas pessoas na foto agora me olham e se riem divertidas, concordando em não serem felizes para sempre, parecendo sem medo deste fim que arrasto agora em compassos incertos. Ah, mas se eu pudesse recomeçar... riria com ainda mais força na fotografia.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

- O desconhecido aproximou-se de mim no saguão do aeroporto e disse: "Pode deixar que carrego sua mala. Também vou viajar." Seis meses depois ele era o meu marido...
As coisas, as pessoas que encontramos pelos bares nas manhãs de segunda são sempre surpresas. Peguei o hábito com uma ex-companheira: toda segunda às 7 me engravato, desço à rua e paro no primeiro bar de esquina que vejo no caminho escolhido. Pego uma mesa que dê para olhar os que ainda não foram embora e também os que passam olhando meio torto pra gente. Só aí peço minha saudosa, revigorante, a minha necessitada dose de toddynho. Então continuo ouvindo.
- ...e tinha de ser assim mesmo. Não se submete o amor à mediocridade do que se julga apropriado ou não.
Era uma mulher de olhos cansados que afirmava, tarimbada pelo tempo, coisas que seus colegas de mesa só compreenderiam em completude tendo o mesmo tempo pelo qual ela havia passado - se compreendessem. Estavam lá apenas tentando preencher um vazio, experimentando o máximo de coisas que lhes fosse possível.
Enquanto suponho a vida alheia no olhar, termino quase despercebido o meu toddynho. Importa que não sei precisar exatamente quando, mas os olhos cansados da mulher bateram de frente com os meus. Medusa. Minha leitura matinal se desvirtuou. Tornei-me órfão do falso brilho. Ela virava a cara e sumiam os olhos. Aí veio a falta dos dois globos oblíquos, esportivos, que amaciam antes de petrificar.
Mudei para a mesa dos olhos sem pedir - não conseguiria falar. As crianças, não vi mais. Ficava horrorizado com eles - os olhos - como se uma faca me invadisse o peito, como se desse um salto ao precipício, completamente nu. E queria mas não queria a faca rasgando mais fundo, o salto mais longo. Viciado na dor dos olhos dela, fiz de tudo para não perdê-los de vista. Bebidas fortes e outras drogas ela oferecia meio mandona e eu aceitava querendo agradar.
Segunda, nove da manhã - quando deveria estar chegando no escritório, disse pela primeira vez vamos lá no meu apartamento ouvir um som. Ela não parava de falar, eu só compreendia o que queriam me dizer os olhos. De alguma forma, descobri ser uma conversa muito mais rica e sincera a que estes costumam ter.
Na vitrola pus um disco do Chico e o teu olhar era de adeus. Estranhei, servi uma taça de vinho e fui rapidamente ao quarto arrmar a cama com o que tinha de melhor lá em casa. Quando voltei para a sala ela havia se atirado da janela.

Amargo

A realidade dói quando abate nossos sonhos muito depressa.
Desacato pra quem espera: sonha noite de lua cheia,
Acorda feridas jorradas, nuançadas sob luzes ausentes.