quinta-feira, 8 de julho de 2010

Felicidade

Ele tinha o cabelo molhado, talvez pela chuva que caíra perto dali cinco minutos antes. Contraditoriamente, andava apressado e sem ir a lugar nenhum. Ia, mas voltava para o mesmo ponto logo em seguida. E na cidade grande seu rosto já era batido, revestido de cotidiano de forma que ninguém atentava às suas andanças vãs.

Ficou claro que esperava por alguém quando um carro encostou e ele foi ao seu encontro. Era ainda possível percebê-lo recebendo uma maleta de couro, que carregou com todo o cuidado quando deu para sair em disparada para um beco de difícil acesso não muito longe dali. Foi onde encontrou outros homens de paletó e gravata, agachados num chão úmido, fazendo círculo e jogando bolinhas de vidro que batiam umas nas outras. “tudo pronto?” pergunta o primeiro. No que o homem do cabelo molhado faz que sim, um deles bate palmas em direção à janela de um prédio vizinho. Quem aparece abrindo a porta dos fundos é uma criança lá com seus oito anos de idade. Todos sobem em silêncio e no terraço já não se perde tempo: a mala é aberta revelando seu conteúdo: uma formosa pipa verde com uma rabiola respeitosa, toda detalhada. O menino explica todo o processo de preparação e a curiosidade desses homens tem cheiro de porões velhos nunca arejados. Depois, de um em um, todos tentam colocar a pipa à liberdade do ar, recebendo dicas do garoto paciente que ainda ouve pérolas como “no meu tempo era mais fácil”, “o vento está ruim” e “amanhã eu trabalho cedo”.

A pipa já voa orgulhosa quando o horário da aula vai acabando. “Isso é para se usar apenas antes do pôr do sol. Pela noite não dá para enxergar direito, e o céu escuro é bom mesmo para ver os desenhos que as estrelas fazem ou procurar onde a lua se esconde em dias de noite fechada. Experimentem apagar a luz.” Sugeriu o pequeno sabido. Ao fim, todos saem leves de volta para suas casas e com um riso fácil, reparam nos pássaros e esquecem a buzina do carro.

Passaram-se duas semanas desde que uma reunião de trabalho foi feita na casa do Carlinhos, logo quando todo o escritório abriu os olhos após o Rafael concluir, entre uma conta e outra, que queria mesmo era ter os fins de semana como os do filho do Carlinhos e que não havia estudado para ter uma vida assim tão corrida. Aí então se percebeu desnecessário o esforço de todos aqueles homens em fazer o mundo girar mais veloz, e deu de aparecer por ali a graça de viver com o tempo. Mas aquelas pessoas não sabiam bem como funcionava essa coisa de se distrair. Foi quando o Carlinhos prestativamente ofereceu seu filho para lecionar aos adultos como esquecer o trabalho oito horas por dia. Aí eram crianças de todas as idades, vestidas de todos os jeitos, a soltar seus devaneios, desatentas ao relógio que agora corria já de outro jeito.

Conseguir ver um mundo tão vil com olhos de criança é um desafio, uma dádiva para poucos.

Matheus – 04 e 05/07/2010

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